Advogada de família conta o caso do cliente traído que chegou no escritório com todo o “acordo” feito. Para amenizar a dor, o homem enganado tenta tirar vantagem material; já a mulher traída, cujo sentimento de rejeição é o que pega, tem outra reação. Nessa hora, para o bem do casal, a atuação do advogado faz toda a diferença.
Por Shirlei Saracene Klouri
Advogar na área de família impõe ao profissional dupla responsabilidade: definir para as partes os limites do direito de cada um e entender as causas subliminares que motivaram o conflito, aquelas não expostas, mas que fazem toda diferença nas ações e reações.
Certa vez, fui procurada para atender um caso de infidelidade – esta mais “grave” e “séria” porque cometida pela esposa. O cliente, o marido ferido sobretudo no seu orgulho e masculinidade, apresentou a solução: ficaria com a guarda do filho de quatro anos e com as duas empresas. Trouxe o contrato social alterado pelo contador e já assinado pela esposa (culpada), deixando claro que a minha atuação profissional iria se limitar a formalizar a sua decisão e obter a homologação judicial.
Antes de recusar o trabalho, não poderia deixar de entender a “lógica” dessa postura. O traído disse estar absolutamente confortável com esse “acordo” feito com a mulher. Afinal, ele achava que não estava tirando nada do que a mulher já havia desprezado ao se envolver com outra pessoa. E estava tão certo das suas razões que conseguiu convencê-la do seu senso de “justiça”.
Percebo que na traição o homem e a mulher reagem de forma diferente. O homem busca uma vantagem patrimonial para aplacar o seu sofrimento, o que costumo chamar de autoindenização, porque foca na troca, no toma lá dá cá – “eu elevei sua condição financeira e você me traiu; então eu vou te tirar tudo”. Para a mulher traída, é o sentimento de rejeição que fala mais alto. Dói muito mais na alma ser substituída por outra do que ter seu patrimônio reduzido. Não que a mulher não se vingue, porém, no primeiro momento ela precisa resgatar sua autoestima para depois pensar em como agir, mas esse assunto é para outra coluna.
Voltando ao caso do marido, esclareci a ele que o adultério deixou de ser crime em 2005 e que, apesar de a fidelidade (para o casamento) e a lealdade (para a união estável) continuarem sendo deveres recíprocos, condição própria da cultura ocidental monogâmica, fazer “justiça” continua sendo atribuição exclusiva do Estado.
Acrescentei, ainda, que a infidelidade é civilmente penalizada com a perda da pensão alimentícia para o cônjuge responsável pelo fim do casamento e com a perda do sobrenome do marido, entretanto, essas duas hipóteses são relativizadas quando a mulher não tem condições para trabalhar, fazendo jus a pensão em valor mínimo para subsistência, e quando o sobrenome já incorporou a sua identidade, enfatizando, assim, que a mãe não perde o direito da guarda do filho e muito menos à metade do patrimônio comum, observando o regime de bens convencionado.
Sem muitos rodeios, falei francamente que, se fosse levado adiante esse “plano de vingança”, e não “acordo”, como dito, causaria muita revolta à ex-mulher quando amenizada a culpa. E isso porque amor ou desamor não se mede na proporção do patrimônio e o casamento pode acabar, mas ex-mulher enfurecida é para sempre! Deixei a reflexão.
Menos de dois meses depois, esse cliente voltou pronto para reformular suas decisões. Conseguimos consensualmente estabelecer a guarda compartilhada, porque o filho precisa igualmente dos pais, ainda que deixaram de ser um casal. E cada um assumiu uma das empresas que constituíram juntos, ficando ambos com fonte de renda para sustentar o menor.
A postura nesse caso exigiu mais do que conhecimento jurídico, foi necessário demonstrar que ética, lealdade e orientação profissional justa e equilibrada faz toda diferença para trazer à razão o cliente e que a lei deve sempre ser o limite para as partes e para o próprio advogado – por isso, fique atento quanto aos seus direitos e quem irá representá-lo.
Shirlei Saracene Klouri, do escritório Cesar Marcos Klouri Advogados, é advogada especialista na área de família