Kico Gemael, jornalista de TV dos mais competentes, é também conhecido, entre os amigos, pelo seu lado galinha – de mãe galinha! Como pai, ele é uma mãezona. Entre a saída de um casamento e o começo de outro (teve cinco até agora), Kico tem a proeza de “carregar” os filhos junto, mantendo a “ninhada” sempre perto.
A encantadora história de amor contada aqui é demonstração exemplar de que casamento acaba, casal se separa, constitui outra união, mas os filhos nunca ficam para trás – inclusive os da ex-parceira, que não são de sangue, mas de coração, como a enteada Camila.
Por Kico Gemael
“É a cara do pai.” Faz 25 anos que ouvi esta frase pela primeira vez. E nunca mais parei de ouvir. A primeira foi na feira, dita pelo Valdir da banca de frutas. Amigo das antigas, chamei Valdir num canto e cochichei: “Camila não é minha filha de sangue, é de coração. E tem tanto coração nessa história que estamos ficando parecidos por dentro e por fora”.
Camila tinha 5 anos quando casei com a mãe dela. Virei padrasto, ela enteada, descasei, casei de novo com outra mãe, descasei de novo – e ela continua filha. A mãe dela, passado.
Há duas semanas, em nova rodada de pastel na feira, o reencontro: Camila, os sobrinhos dela e meus netos, Alice e Joaquim, filhos dos irmãos de Camila e meus filhos, Manoela e Camil, o Valdir e eu. Quando viu a Camila, ele renovou a frase: “Continua a cara do pai”.
Foi amor à primeira vista. Quando fui morar com a mãe da Camila e também do Thiago, na época com 7 anos, os dois adoravam o pai, que por falta de tempo e outras circunstâncias não era muito presente.
O Thiago, em princípio, me rejeitou por completo. Afinal, era uma figura masculina ameaçando seu reino macho. Chegou a passar cola no meu pincel de barba de estimação. Foi uma relação complicada durante o casamento todo. Ao contrário da Camila. Nós nos grudamos como cola, ficamos como as cerdas do pincel de barba.
Caçula dos quatro “irmãos”, Camila virou minha companheira de compras e de tudo. Até de futebol. Ela, o pai dela, o Camil e eu torcíamos pelo mesmo time em Curitiba – o Paraná Clube. E lá íamos nós – menos o pai – para a Vila Capanema assistir os jogos mais absurdos do mundo do futebol. Paraná x Jandaia, na chuva – e a gente gritando, xingando, comemorando, rindo –, vivendo uma bela história sem fim.
Sim, sem fim. Nestes 25 anos, Camila tomou a vida de assalto: batalhou como poucos fazem, venceu como raros conseguem, encantou como só os iluminados são capazes. Advogada com OAB, casada com um atleta, ri à toa. E mais: faz rir à toa.
E olha que foram 25 anos difíceis. Primeiro, o pai foi embora de repente. Depois, o avô – guru, ídolo e provedor da família – também embarcou para o outro mundo. Perdas que ela sente até hoje. Da mesma forma como nossa relação é a mesma até hoje. Aliás, relação tão forte que, diante de uma dívida da família que eu arcava sozinho e com muita dificuldade, ela ajudou a pagar alguns meses – sem nenhuma obrigação, mas por solidariedade, critérios de justiça e amor, muito amor.
Ela me emocionou milhares de vezes, mas as cenas mais fortes aconteceram nas datas festivas. Dia dos Pais era de chorar lençóis: bilhetinhos cheios de corações e cores que exalavam sentimento. Natal, Páscoa, sempre teve um beijo ou um telefonema – ao menos.
Até que chegou o dia de apresentar o namorado. No mesmo dia, apresentou para a mãe e para mim. Tempos depois, era o dia do casamento. Pai e filha entramos no templo onde foi realizada a cerimônia: o Terreiro de Umbanda Pai Maneco. Não tenho ilusão: tenho certeza de que, se o pai biológico estivesse vivo, seria ele; se o avô estivesse entre nós, seria ele. Nunca tentei substituir ninguém nem tive ciúmes, sequer olhei com o canto do olho. Sempre foi por amor e pela felicidade dela.
A cerimônia de casamento teve um significado especial. Mais ou menos assim: como um casal que vive junto há tempo e um dia resolve formalizar a união e casa. Nossa entrada na igreja formalizou nossa relação. Que vai durar – como a de todos os outros filhos – até que a morte nos separe. Coisa que o casamento não tem, coisa que só existe entre pais e filhos.
PS: nesse casamento, que foi o meu quarto, a mãe entrou com dois filhos – Thiago e Camila – e eu entrei com dois – Manoela e Camil. E veio o terceiro filho de cada um – o quinto nosso. Ou melhor, a quinta: Olívia, hoje com 22 anos. O Thiago não cola mais meu pincel de barba, hoje somos colegas de profissão e amigos – bem amigos. Aparece de vez em quando para filar uma boia e jogar conversa fora – como todos os outros, que não deixam o pai sozinho minuto algum. A bênção, meus filhos.
Kico Gemael, 57 anos, jornalista, 5 casamentos, 4 filhos, 2 netos; curitibano de nascimento, paulistano de coração.