Estou feito grávida, que por onde anda e olha se depara com outras grávidas – e usando uma figura de linguagem, claro. No meu caso, que já tive dois filhos e está ótimo, onde me viro encontro um amigo (ou amiga) que está se separando ou fico sabendo da história de um conhecido enfrentando essa pendenga. Só ontem à noite foram três casos, sendo dois muito bem-resolvidos!
Daí compro o novo livro de um dos meus autores preferidos, o inglês Ian McEwan, e logo nas primeiras páginas vem o anúncio: a personagem principal está em uma tremenda crise conjugal. A mulher de seus quase 60 anos, uma eminente e brilhante juíza da Alta Corte britânica, ouve do marido que ele vai viver uma paixão com uma moça muito mais nova. “Ela já sabia o nome da mulher. Melanie. Bem próximo do nome de um tipo fatal de câncer de pele”, conta o narrador. Mas Melanie é o menos importante na trama. A poesia, a música, o amor pela vida, a moral e as leis e, especialmente, o fundamentalismo religioso são os temas fortes na trama do ótimo “A Balada de Adam Henry” (Companhia das Letras, 200 págs.).
A juíza especializada em direito de família, acostumada a enfrentar magistralmente todo tipo de drama conjugal – crianças virando peça de barganha de mães, pais que desaparecem da vida dos filhos para fazer mais rebentos em nova e tórrida paixão, mulheres que exigem para sempre viver no conforto, homens gananciosos –, na vida privada ela é um fracasso.
Tão bom quanto se deleitar com a leitura é conhecer os bastidores da história, a inspiração de McEwan. Durante um jantar em companhia de juízes, em que o papo rolava solto sobre os julgamentos de alguns dos presentes, em meio a brincadeiras e piadas, o anfitrião pegou uma obra encadernada com suas sentenças para fazer uma consulta, e o livro acabou no colo do escritor. “Aquelas histórias pertenciam à vara de família, onde se discutem muitos dos interesses mais sérios da vida cotidiana: amor e casamento, e o fim de ambos; fortunas divididas de forma conflituosa; o destino de crianças amargamente contestado; crueldade e abandono por parte dos pais…”, escreve MacEwan em texto publicado na Folha.
Mas o autor, que também parece “mulher grávida” em relação ao assunto vara de família, conheceu de perto, na pele mesmo, o drama do litígio quando se separou da primeira esposa, a escritora e jornalista Penny Allen, em 1995.
Agora, quatro meses atrás, MacEwan viveu uma situação também inspiradora para as suas histórias, além de muito constrangedora. Ele foi pego de surpresa pela ex-mulher quando divulgava o livro num festival literário em Cheltenham, na Inglaterra. Da plateia, Penny Allen soltou um sonoro: “Eu tenho uma pergunta. Por que você não fala para as pessoas sobre o que você tirou de mim?”.
Na disputa judicial durante o divórcio, McEwan ganhou a guarda dos dois filhos e Allen foi impedida de falar em público sobre o acordo. Entre outras coisas, ela acusa o ex de se basear na história conjugal deles em seus livros. Ele garante: “Não há nada mais em meus livros que lembre remotamente a experiência de meu casamento com ela. Não sei por que ela segue querendo discutir isso e publicamente”. Vai saber… O que importa: “As Baladas de Adam Henry” é imperdível!