“Dicas” de superação quase afundaram leitora

Por Bell Kranz

Tudo passa pela educação, não tem jeito – até protesto com panela, como se viu no último domingo, pode ser elegante, com dignidade, ou do tipo desqualificável, selvagem. Mas como nem tudo a gente aprende, então improvisa, cheio de boas intenções. Já o resultado, às vezes, é desastroso. Diante de alguém que se separou, por exemplo, fala-se cada batatada.

É o que compartilha aqui uma jovem leitora valente e bem-humorada. Sua história inclui duas experiências de tirar qualquer um do eixo: um câncer de mama e, mais tarde, a separação do marido. Mas o ponto central da sua mensagem é outro, ou melhor, são os outros. A atitude de quem quer ajudar e, no caso dela, provocou sentimentos semelhantes tanto no enfrentamento da doença como do fim do casamento.

O desabafo também faz um alerta contra a parafernália de fórmulas de superação espalhadas a rodo na net e algumas publicações. Um Google rápido com as palavras superação e separação traz “dicas” que mais parecem piada de muito mau gosto. Um exemplo: “Questione as qualidades do ex e encontre defeitos; aos poucos, os pensamentos ruins sobre ele ou ela vão ajudar a minar os sentimentos amorosos”.

As fases do luto são bem conhecidas e iguais para quase todo mundo. Agora, de que maneira percorrer esse caminho é uma questão individual, uma escolha de cada um. Não é bolo, que tem a receita certa. O crescimento pessoal, sim, espera-se seja um ganho final para todos.

"Foi sozinha que eu percebi que não deveria me culpar porque o problema não era comigo" (Foto: Derek Fernandes)
“Foi sozinha que eu percebi que não deveria me culpar porque o problema não era comigo” (Foto: Derek Fernandes)

“Precisei de um câncer e uma separação para perceber o que importa mesmo”

Por Ana Michelle

“Vim compartilhar minha história.

No dia 27 de dezembro de 2014, meu então marido saiu de casa. Depois de cinco dias de profundo sofrimento e cinco quilos a menos, cansei de ouvir conselhos, de chorar e bolar vinganças malignas e apenas decidi: vou tomar um porre, fazer uma tatuagem e transar com um cara bem gato just for fun, depois eu penso o que faço da vida.

Nesse período, tenho lido muito sobre o assunto “separação” e a minha sensação é de que a maioria das pessoas que lista aqueles 10 passos para dar a volta por cima nunca passaram por um rompimento com alguém que realmente amavam. Não é possível! Quer dizer então que além de levar um pé na bunda ainda tenho que acordar no dia seguinte linda, me amando muito, planejando o encontro futuro com “o cara certo” e sair com suas várias amigas para badalar e dar muita risada porque a vida é bela e você PRECISA deixar o passado com alguém que “não te merece” para trás.

Parece que ficar bem vira uma obrigação e você tem que dar a volta por cima rapidinho senão já acham que você é um caso perdido de depressão. Qual é o problema de não sair? De não querer um novo romance? De querer ficar sozinha em casa fazendo nada? Como cansam as regras sobre a volta por cima!

Achei que nunca mais passaria pelos sentimentos de quem teve um câncer de mama aos 28 anos, mas tem sido bem parecido com o que tenho vivido agora, por mais absurdo que possa parecer. Na época, lembro que me irritava profundamente a cobrança de todos para que eu ficasse o tempo todo sorrindo e falando sobre o quanto tinha sorte por estar viva. Não bastava ter um peito mofado e uma cicatriz gigante, enfrentar quimioterapia, radioterapia, três cirurgias com anestesia geral e dez quilos a mais na balança destruindo a autoestima, ainda tinha que colocar uma capinha de heroína cada vez que saía de casa ou conversava com alguém.

O câncer tirou de mim o direito de ser uma pessoa normal, que reclama, xinga, fica brava. Dia desses postei sobre como queria ganhar na Megasena, e tive que aturar as tias falando que eu já ganhara por estar viva! Ai, me deixa querer ganhar na Megasena em paz, raios! 

Separar-se não tem sido muito diferente do que vivi na doença. No começo, a palavra era impronunciável: separação. Depois, já vinha a carinha de Gato de Botas da sociedade, dizendo “mas como, vocês eram perfeitos juntos”. Aí já emenda com “você vai arrumar uma pessoa muito melhor”. Ou “foi um livramento, ele não te merecia”. Assim como no câncer, sabe o que ninguém me perguntou até esse momento? “Como EU estou lidando”,  “o que EU quero fazer”.

Sim, eu segui os conselhos e saí com as amigas. Na primeira vez, eu desmaiei nos braços de um argentino (porque estava sem comer, bebi e estava nervosa rs), ainda bem que ele era gato! Na segunda, eu voltei para casa chorando porque simplesmente não conseguia me ver naquele cenário de guerra e pegação. Daí, resolvi ficar quieta em casa, tentando me satisfazer com a minha própria companhia. Recebi algumas mensagens de pessoas preocupadas com depressão, e isso me fez rir. Estaria, sim, em depressão se estivesse seguindo os conselhos mirabolantes de dar uma volta relâmpago por cima e postar sobre como estou feliz e me sentindo linda agora que estou ‘livre’.

Ficar só, chorar, sofrer, pensar e chorar mais um pouco me trouxe uma força que não tive nem na pior das quimioterapias. Saí de um casamento que muitos consideravam perfeito porque o marido tinha um sério problema com a monogamia. Não, ele nunca me traiu fisicamente (eu continuo apostando nisso), mas sempre havia uma Fernanda, uma Juliana, uma Marina, uma Carla, uma Helena no celular, no Facebook, no WhatsApp e no cafezinho do trabalho que pareciam ter muito mais valor e sabor do que a mulher fiel e dedicada que ele tinha em casa. E foi sozinha que eu percebi que não deveria me culpar porque o problema não era comigo. Foi sozinha que descobri que na verdade ele é um imaturo com sérios problemas de autoestima. Foi sozinha que um dia acordei e senti “ei, na verdade, eu sou muito para ele”. E foi assim que dei a volta por cima, SOZINHA e por MIM.

Não vou ficar dando conselho para ninguém, mas, se me permite uma dica, diria que a melhor forma de enfrentar uma separação é não fazendo coisas que as pessoas acham que você deve fazer. Se me perguntam hoje como estou, não me sinto na obrigação de parecer uma heroína, porque foi um peso assumir esse personagem com poderes sobrenaturais quando estava doente. Apenas digo “nem feliz, nem triste, estou vivendo os acontecimentos”. Se terei um novo amor, ou se vou mudar de país, ou vou voltar com o ex, eu não sei. Descobri um universo repleto de possibilidades. O que eu te digo é que precisei de um câncer e uma separação para perceber que o que importa mesmo é você ser honesto com você, sem joguinhos, sem conselhos que fazem você se sentir pior ainda ou te obrigam a parecer forte quando no fundo tudo o que você quer é sua vida de volta (por pior que ela tenha sido).

Seja você, esqueça as regras! Sofra, grite, chore e, se for para se sentir melhor, liga para o infeliz xingando, porque pode ser libertador. Ah, e antes que você me pergunte, já tomei o porre e já fiz a tatuagem ;).”

Ana Michelle, 32 anos, é jornalista e mantém o blog Papo de Casa http://www.papodecasa.com/