Casar no papel ou só juntar as escovas?

Por Casar, descasar, recasar
Cena do divertido "Casamento Grego", em que Ian ( John Corbett) fez de tudo para se casar com Toula (Nia Vardalos)
Cena do divertido “Casamento Grego”, em que Ian ( John Corbett) fez de tudo para se casar com Toula (Nia Vardalos)

Por Giovanna Maradei

Você sabia que, embora todo cônjuge deva ser companheiro, nem todo companheiro pode ser chamado de cônjuge? Só ganha o título quem se casa de papel passado. Os que optam pela união estável, ainda que assinem um contrato de convivência, permanecem companheiros. Detalhe sem aparente importância, mas que já sinaliza: não é tudo a mesma coisa.

Apesar de parecidos, a união estável e o casamento estão repletos de pequenas diferenças que podem trazer consequências significativas no futuro. Qual a melhor opção? Depende. Juridicamente, o casamento pode ser mais seguro. Mas, como costumam dizer os advogados, cada caso é um caso.

Para ajudar os novos casais nesta escolha, “Casar, descasar, recasar” se valeu da expertise da advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, e lista aqui as principais diferenças entre os dois tipos de união.

Cônjuge não é companheiro

Qual seu estado civil? Só responde casado quem assinou a papelada no cartório, com testemunhas e demais formalidades. Quem não assinou, mas está em um relacionamento antigo, pode ser até de 20 anos, possui imóveis e empresas com o companheiro e ainda filhos não estará mentindo se afirmar que seu estado civil é solteiro.

Uma bobagem para quem não se importa com títulos, mas na vida prática isso pode importar. Quer vender ou fazer qualquer negócio com um bem adquirido depois do casamento? Vai precisar da assinatura do cônjuge. Já o solteiro em união estável não precisa da autorização do outro. Neste caso, a administração dos bens comuns é feita na base da confiança, o que pode dar certo ou virar problema.

O que comprova a união estável

Para que seja caracterizada a união estável, diferentemente do casamento, não é preciso fazer nenhum contrato, possuir bem comum ou dividir as contas da casa. Na verdade, não é preciso nem morar junto. Basta, como diz a lei, que seja estabelecida a “convivência pública, contínua e duradoura com o intuito de constituição de família”. Porém descobrir isso, ou seja, quando o casal deixou de namorar e estabeleceu uma união estável nem sempre é uma tarefa simples, embora extremamente necessária em casos de separação.

O mais seguro, portanto, é assinar um contrato de convivência no cartório. Ele registra a união e vale para fins práticos, como incluir o companheiro no plano de saúde e comprovar a data em que os bens passaram a ser dos dois. É possível ainda escolher o tipo de regime de bens (leia abaixo as formas existentes). O documento não equivale ao contrato de casamento e é bem mais simples de ser feito e desfeito.

Se não houver esse registro, a comprovação da união estável tem de passar pelo crivo do juiz, que vai considerar o testemunho de amigos, conhecidos e familiares e informações diversas, como existência de divisão de aluguel e data de nascimento de filho.

Quem herda o quê?

Independentemente do regime de divisão de bens escolhido, as regras mudam em caso de morte de um dos cônjuges ou companheiro. Na união estável, o companheiro é considerado herdeiro legítimo e tem direito a participar da divisão dos bens adquiridos após a união. Já os denominados bens particulares, adquiridos pelo parceiro antes da união, vão para os chamados herdeiros necessários – descendentes e ascendentes.

Por exemplo: se o casal em união estável tem dois filhos, o viúvo (a) recebe, além da metade dos bens comuns, que já era sua, 1/3 da parte do companheiro. Os outros 2/3 são divididos entre os filhos, assim como o valor total dos bens particulares. Na ausência de filhos, essa parte da herança é direcionada para o parente colateral mais próximo – primo e irmão, por exemplo.

No casamento, cônjuge é considerado herdeiro necessário, concorre à parte dos bens particulares e recebe o correspondente à sua metade dos bens comuns. Quer dizer, se um casal tem dois filhos, o viúvo (a) fica com a sua metade dos bens comuns e 1/3 dos bens particulares do companheiro que morreu, enquanto os filhos dividem entre si os outros 2/3 desses bens e a metade dos bens comuns que pertenciam ao pai.

O que é mais justo?

“É surpreendente o fato de a lei ter tratado de forma desigual situações de vida idênticas”, afirma Maria Berenice Dias sobre as atuais diferenças entre casamento e união estável. Enquanto as regras não são revistas, tudo depende da configuração de cada família e dos desejos do casal. O importante é não ter medo de conversar sobre um futuro, por mais espinhoso que ele possa ser.

 

TIPOS DE REGIME DE BENS

Comunhão universal de bens – Todos os bens adquiridos, antes e depois da união, são divididos pelo casal e partilhados em um eventual divórcio.

Comunhão parcial de bens – É o regime legal, portanto o único que dispensa pacto antenupcial ou contrato de casamento. Nele, somente os bens adquiridos onerosamente (que envolveu trabalho) durante a união são passíveis de partilha. Ficam de fora, por exemplo, bens herdados.

Separação total de bens – Todos os bens permanecem de propriedade individual; porém, no caso de viuvez, o cônjuge não é meeiro (que recebe metade de certos bens), mas permanece herdeiro.

Participação final nos aquestos – Neste regime, durante o casamento ou a união estável, cada parte pode administrar seus bens privados livremente. Mas, se há uma dissolução, o cônjuge ou companheiro poderá reivindicar a participação nos ganhos feitos durante a união.

Separação obrigatória de bens – É exigida quando um dos cônjuges tem mais de 70 anos. Nela, os bens permanecem totalmente separados, e a outra parte não deve ser considerada herdeira.