Enquanto a velha discussão sobre a divisão de tarefas entre marido e mulher prossegue dando pano para as mangas, uma questão muita mais nova mexe com as famílias: as tarefas executadas pelo homem separado que tem a guarda compartilhada do filho. São desafios de ordem prática que vão além de levar a criança ao cinema ou jantar fora no domingo, como é comum entre pais que veem os filhos em eventuais fins de semana. A guarda compartilhada inclui tarefas do cotidiano tradicionalmente conhecidas como sendo de mãe.
Por exemplo: trocar fralda, ficar atrás da criança na festinha ou comprar o vestido da filha. Missões, em geral, inéditas na vida do pai e que exigem certas atributos, como jogo de cintura, capacidade de improvisação, cara dura e determinação. “Casar, descasar, recasar” traz alguns desses desafios e as soluções encontradas pelos pais – nem todas muito práticas, é verdade, mas para mãe nenhuma botar defeito.
Antes de tudo, é importante se prevenir de uma possível desconfiança do ou da ex, que ocorre com muita frequência. É o caso da mãe, cujo filho adoeceu e ela liga mil vezes para garantir se o pai está cuidando da criança ou o ex que supervisiona a mulher no acompanhamento das lições de casa do filho. Mas criança cai, se machuca, tem febre, não faz lição de casa. “Não se pode deixar tudo virar problema”, diz a psicanalista e perita judicial Cláudia Suannes.
A especialista destaca outro enrosco que surge nesses casos de guarda compartilhada: a rivalidade entre os pais. Muitos competem entre si para provar que é o melhor. Mas pai não substitui mãe, e vice-versa. “Eles podem exercer funções que se convencionou dizer de mãe ou de pai, mas um não substitui o outro. Ambos continuam existindo e podem se somar”, afirma Cláudia.
- No banheiro público
O cantor e locutor mineiro Aggeo Simões passou maus bocados quando a filha Ava ainda usava fralda. “Sempre fui um cara sensível a cheiro. E era patético, porque eu não conseguia limpar o bumbum dela de jeito nenhum. Chegava a vomitar”, conta o pai, que se separou quando a garota tinha um ano e meio.
Morando sozinho e recebendo a filha por pelo menos dois dias na semana, o sufoco passou quando, por sorte, descobriu que a solução estava bem ao lado das pomadas e do talquinho do bebê: os lenços umedecidos. A dica salvadora foi fazer um rolinho com o lenço e colocar cada ponta em uma narina. Ele gostou tanto do truque que “até hoje, quando entro em alguns banheiros públicos, sinto falta dos meus lencinhos”.
Quando Ava tirou a fralda e tudo parecia resolvido, surgiu o drama vivido por 10 entre 10 pais de meninas: onde levá-la para fazer xixi? No banheiro masculino, em geral, não há cabines, e no feminino o pai não pode entrar.
A solução que ele desenvolveu: esperar todas as mulheres saírem e ao mesmo tempo segurar a fila para ninguém entrar. Daí então Ava e o pai ficavam à vontade no recinto. “As mulheres reclamavam, mas compreendiam. Algumas até se ofereciam para acompanhar Ava, mas era raro”, conta Aggeo, que perdeu as contas da quantidade de desculpas que pediu pelo caminho.
- Primeiro Dia dos Pais
Maria Eduarda tinha apenas 8 meses de vida quando os pais se separaram. Mesmo tão pequena, passava duas noites por semana e alguns fins de semana com o pai, o jornalista Rodrigo Padron. Papinha, fralda, mamadeira, banho, nada foi problema, só faltou avisar a professora.
No seu primeiro Dia dos Pais, Rodrigo foi todo ansioso até a escola da filha, onde havia uma programação especial para a data. Entre as gincanas, programaram atividades que, segundo a mestre, os pais “nunca haviam feito antes”. Por exemplo: dar papinha e trocar fralda .
“A professora falava com tom infantil, como se eu fosse incapaz de fazer tudo aquilo por ser homem”, conta Rodrigo. No final do dia, foi questionar a coordenadora. A escola se retratou e prometeu rever a abordagem com os pais. “E isso efetivamente ocorreu”, comemora Rodrigo, que não queria que a filha fosse educada com preconceito de que pai é menos do que mãe. “Fiquei imaginando daqui um tempo minha filha relendo os cadernos da escolinha e vendo todos os bilhetes endereçados para a mãe. Ela iria me perguntar: ‘E você, bonitão, onde estava que não cuidava de mim?’.”
- Medo de doença
A mulher do escrevente Paulo Vitor Pires morreu quando o filho mais novo do casal, Vitor, tinha 11 anos. Entre as várias atribulações que surgiram, o pai lembrou da saúde do filho. “A mãe olhava para a cara da criança e dizia ‘essa criança está doente’, levava no médico e dava certo. Eu não queria passar por relapso e pensei: vou levar também, só para fazer uma revisão.”
Ao chegar no consultório, o pediatra segurou o riso e explicou: criança dessa idade não precisa de check-up como adulto. “Nunca mais levei. No máximo, vamos ao pronto-socorro quando acontece alguma coisa.”
- De férias longe da mãe
Programar uma viagem sozinho com filho pequeno deixa qualquer pai com frio na barriga, mas o cantor Aggeo Simões tinha certeza de que não haveria erro. Afinal, existe passeio melhor para uma criança do que a primeira vez na praia? Sim, para a pequena Ava havia.
Ela reclamou de absolutamente tudo no primeiro dia, da areia ao som da barraca vizinha. “Achei que a viagem ia ser péssima, mas no segundo dia ela começou a curtir e, aos poucos, passou a adorar a viagem.”
O alívio durou pouco. “Um dia, a mãe ligou tarde, eram nove horas da noite, e Ava passou a chorar. Foi quando eu saquei que emoção junto com cansaço não dá certo.” Desde então, foi estabelecida uma nova regra, que serve como dica de ouro para pais separados: ligação da mãe só de dia e, de preferência, na parte da manhã.
- No ginecologista
O viúvo Paulo Vitor Pires foi quem acompanhou a filha mais velha na sua primeira consulta ao ginecologista. Não é todo pai que precisa fazer isso. Na verdade, se a filha prefere ir sozinha, tudo bem, o pai deve esperar fora. Mas não era o caso de Beatriz. “Ela não queria ir ao ginecologista com ninguém, mas já estava com 16 anos e senti que era necessário, então eu tive que ir junto.”
Na consulta, a médica perguntou desconfiada: “Beatriz, seu pai pode ficar?”. A filha prontamente respondeu: “Pode, ele sabe de tudo!”, conta o pai.
Devidamente autorizado, ele permaneceu mudo. “Fiz só companhia. Não sabia nem o que comentar, o que perguntar, não sabia nada”, diz, rindo. Mas aguentou firme para garantir apoio moral.
- Na compra de vestidos
Nas lojas de roupa infantil, o preconceito com o homem também é comum. “Já fui atendida por duas ao mesmo tempo para me socorrer”, conta Rodrigo Padron, que se incomoda muito com o atendimento exageradamente atencioso. “Elas falam com o mesmo tom das professoras da escolinha, como se você fosse um adolescente.”
Para conseguir comprar em paz, Rodrigo desenvolveu a própria estratégia: “Começo a falar sobre tecidos, fios, estilo de roupa e, aos poucos, a vendedora percebe que eu sei o que estou fazendo”. Em seguida, diz ele, você vai ouvir o tão esperado “vou deixar o senhor à vontade, qualquer dúvida e só me perguntar”.
- Na compra de camisas
Antes de ficar viúvo, Paulo Vitor Pires nunca havia ido às compras para o filho. “Nem para mim eu comprava. Não sabia escolher sequer uma meia”, conta o pai, que rapidamente encontrou uma saída, apesar de não muito prática.
Com uma fita métrica, mediu o filho e as roupas e foi ao shopping, levando a cola. “Uma senhora chegou a perguntar por que eu estava fazendo aquilo. Aí eu tive que explicar a situação”, conta Paulo, tímido, ao lembrar “do mico”.
O filho cresceu e “agora eu o obrigo a ir junto para experimentar”, diz Paulo, que odeia fazer compras e, pelo jeito, conferir o tamanho das roupas na etiqueta.
- Insegurança noturna
“Eu morria de medo de acontecer alguma coisa com ela. De apagar, dormir, e ela enfiar o dedo na tomada ou sei lá, cair da janela, eu tinha altos pesadelos”, conta Aggeo Simões, que se separou quando a filha ainda estava aprendendo a andar.
Para diminuir a aflição, ele espalhou redes, cantoneiras e protetores de tomada pela casa toda. Exagerou talvez quando decidiu passar a chave em todos os cômodos que poderiam oferecer algum perigo. Ou seja, todos da casa, com exceção dos quartos dela e dele.
“Nesse começo, eu estava bem inseguro. Tinha assumido uma responsabilidade e não queria que nada acontecesse, ainda que fosse algo trivial em uma casa com pai e mãe juntos.”
Você também é pai separado e desenvolveu soluções para os desafios do dia a dia? Mande suas dicas para cá.
(Entrevistas feitas por Giovanna Maradei)