Encarar uma vida a dois e o pacote de obrigações e frustrações do cotidiano quando mal se entrou nos gloriosos 20 anos já foi um padrão e há muito tempo. Hoje, felizmente, é uma escolha – e não parece das mais inteligentes. A opção tem provocado o aumento de uma situação bizarra: a separação de casais mais jovens, gente com expectativas e sonhos aos borbotões e que rapidinho vê tudo (ou manda tudo) para as cucuias.
Não há dados estatísticos no Brasil sobre número de pedidos de divórcio pelos mais jovens, mas existe uma percepção de aumento – “especialmente na última década”, observa a juíza e escritora Andréa Pachá.
No Reino Unido, as maiores taxas de divórcio são, de longe, entre mulheres na faixa dos 25 aos 29 e de homens com idades entre 25 e 30 anos, segundo o último levantamento (2012) do Escritório Nacional de Estatísticas.
No processo jurídico do divórcio precoce não há imbróglio. É tudo muito simples: em geral, não existem bens para partilhar nem filho para discutir guarda ou pensão (às vezes, surge um cachorro na história, como o caso surreal da dupla que foi aos tribunais pela guarda de um buldogue, mas isso é raro).
Não há bens e também não há males para dividir – o tempo curto de vida conjugal costuma ser insuficiente para gerar grandes histórias ou mágoas e dificuldades para perdoar o rompimento de uma longa vida em comum. Além do mais, a perspectiva de recomeço é muito maior em relação ao que foi vivido.
Pensão alimentícia também não causa embates: “Os jovens são mais independentes, muitas vezes já trabalham ou são conscientes de que têm que trabalhar, e não depender de uma pensão”, diz o advogado Mário Delgado, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM (Instituo Brasileiro de Direito de Família).
Isso tudo facilita o processo de separação. E também banaliza.
Se por um lado a facilidade do divórcio rompeu preconceitos e submissões que existiam nas velhas famílias, nas quais, muitas mulheres morriam casadas mesmo sem amar o companheiro, e vice-versa, por outro lado, a banalização dos rompimentos pode indicar que a sociedade está se consolidando de uma maneira egoísta, onde o outro passa a ser objeto da nossa felicidade e não sujeito do nosso afeto, diz Pachá.
A juíza diz ter verificado “uma grande idealização muitas vezes desconectada da realidade, provocada pela sociedade do espetáculo e pelo consumo que transformou os casamentos em eventos comemorativos”. Quando chega a hora do “vamos ver”, de enfrentar os perrengues do dia a dia, a solução é menos insistir nas relações ou buscar alternativas, mas, “em nome da própria felicidade, partir para outra”.
Para entender um pouco essa realidade, “Casar, descasar, recasar” conversou com quatro jovens que se separaram antes dos 27 anos. Leia aqui a história delas.
“A nossa geração é muito menos comprometida com o outro”
Manuella Antunes (casou aos 23 e se separou aos 26)
“Nunca havia parado para pensar no que o casamento significava. Para mim, eu estava simplesmente continuando uma história. Conheci meu ex-marido quando tinha uns 16 anos, a gente fazia cursinho pré-vestibular. Namoramos ininterruptamente por sete anos. Nunca nos separamos, nunca nem pensamos em acabar.
A separação teve muito a ver com essa questão da idade. A gente começou o namoro muito cedo, e eu mudei muito quando casei. Comecei a ter outros anseios em relação ao mundo, à liberdade, eu era uma outra pessoa. Além, é claro, de ter chegado à conclusão de que não amava mais aquela pessoa.
A nossa geração é muito menos comprometida com o outro do que consigo. Somos muito egoístas, o que por um lado é ruim, mas por outro é muito bom, porque a gente consegue buscar o que quer.
Vejo algumas pessoas que abriram mão de muita coisa pelos relacionamentos… Eu não consegui. A gente quer ter tudo, vive na geração da informação, da liberdade, e aí não vai abrir mão de praticamente nada.
Hoje eu acho que casamento é como vestibular. A gente presta o exame muito cedo e por isso muitos se arrependem. Se a gente tem mais tempo para pensar, tem mais possibilidade de acertar.”
“Você não é mais feliz? Não sofra, se separe!”
Camilla Masini (casou aos 24 e se separou aos 26)
“Não estávamos maduros para um casamento. Eu tentei não chegar na separação, mas quando decidi pensei: divórcio foi criado para ser usado quando não dá certo.
Achei que meus pais não iam me apoiar. Iriam brigar comigo, me forçar a continuar casada, mas eles me deram muito apoio. Antigamente, o divórcio era uma coisa proibida. Você precisava manter o casamento a qualquer custo.
Hoje em dia, você não é mais feliz? Não sofra, se separe! Por outro lado, qualquer problema já gera divórcio, às vezes em casos que poderiam ter solução. Acho que a nossa geração meio que banalizou o casamento. Ou sei lá, o tornou menos sério. Menos “até que a morte nos separe”.
Casar de novo? Acho difícil, mas não impossível. É que não me vejo mudando as minhas manias por ninguém.”
“Nossa geração também é muito imediatista”
Marina Silveira (casou aos 23 anos e se separou aos 26)
“Eu casei por amor, mesmo, por acreditar que era para a vida inteira, não foi na loucura. Mas a gente era muito novo, e quando você vai amadurecendo, crescendo, parece que vai se distanciando do outro.
Hoje as pessoas estão muito independentes, pensam mais nelas e, por não haver mais tanto preconceito com o divórcio, as coisas ficam muito mais fáceis.
Acho que a minha independência atrapalhou um pouco. Porque ele era uma pessoa machista. Quando eu comecei a viajar e a trabalhar muito, ele ficou um pouco enciumado, por mais que ele me apoiasse, ele ficava sozinho. Eu acho que a liberdade da mulher hoje, que não se sente presa ao marido como na época em que ela não trabalhava, trás uma segurança muito forte. No final do meu casamento, eu me sustentava, ele sabia que eu não precisava dele para isso. Essa independência torna as pessoas mais livres para fazer suas escolhas. As pessoas da minha geração, geralmente, não dependem uma das outras.
Nossa geração também é muito imediatista. Tudo tem que ser resolvido hoje, agora e para ontem. Acho que isso faz com que as pessoas não reflitam muito sobre as decisões, sobre a vida. Se fôssemos mais maduros, com certeza saberíamos lidar de outra forma.
Eu quero, sim, casar de novo, ter filho, constituir família. Penso muito nisso, mas não agora.”
“A gente está menos tolerante também”
Manuela Monteiro (casou aos 23 e se separou aos 27)
“Era ótimo o casamento. Mas eu era bem nova e acho que por isso também me separei. Eu queria viver mais, conhecer outras pessoas. Chegou uma hora em que não estávamos mais felizes, e pensamos ‘pô, vamos terminar’. Hoje as pessoas têm essa cabeça: dure o tempo que tiver que durar, que me fizer bem.
A gente está menos tolerante também. Acho que é porque não precisamos manter a relação. Mesmo assim, quando eu me separei rolou um pouco de medo, pensava no que as pessoas iriam falar, achava que tinha quebrado a cara, mas no fundo eu não quebrei, durou o tempo que teve que durar e foi uma relação que me acrescentou muito para a vida.
Casar de novo? Superpenso nisso. Foi uma experiência maravilhosa. Acho que agora eu tenho que trocar essa experiência com outra pessoa.”