Não existe receita para fugir da mágoa do fim de um casamento. Na verdade, não há nem como fugir dela se você quer ser uma pessoa honesta com você e com a sua história, responsável pelas suas ações e os seus sentimentos. O caminho é acolher a mágoa, aprender como lidar com ela e let it go, porque ela passa, mesmo.
Um leitor recém-separado, de 41 anos, que pede para não ser identificado, enviou exatamente essa pergunta: “Como lidar com a mágoa quando o casamento acaba?”. A resposta, claro, exige verdade e muita seriedade. Mas isso não basta. A forma também conta bastante. A maneira de comunicar pode causar grande efeito em uma pessoa e não dizer nada para outra.
Pensando nisso, Casar, descasar, recasar ouviu quatro profissionais especiais para tratar a questão, que é um problema universal, especialmente para quem “foi saído” de uma relação conjugal, mais do que para quem saiu. As respostas pretendem ajudar o leitor que escreveu e, espero, inúmeros outros.
Enfiar o pé na jaca e processar o luto
A separação é um luto, um embate entre o desejo de tentar manter o que foi perdido e se despedir daquilo. Essa é a luta que está em jogo, e não é entre uma balada e outra que se resolve essa parada, isto custa tempo. Quando você corre de uma separação para um novo relacionamento, você só está fugindo da dor, do luto, e o preço é repetir a história, dançar no mesmo lugar.
Tem que enfiar o pé na jaca, tem que curtir o luto, rever foto, rever o lugar, sondar no Facebook, não sei mais o quê, você tem que ir lá no fundo para desfazer o vínculo. Faz parte do processo. A superação do luto é realmente reconhecer que acabou, que a pessoa não é nem uma deusa, nem uma bruxa. E só com o processamento do luto, com a despedida do vínculo anterior que você está realmente livre para amar uma outra vez.
Pedro de Santi, professor da especialização em teoria psicanalítica da PUC-SP e de psicologia da comunicação social da ESPM
A necessária prática de lembrar e relembrar
Às vezes, as pessoas dizem que para se separar precisam se separar totalmente, se afastar dos objetos, da memória, dos lugares. Mas isso não é verdade, porque ela precisa recolocar para dentro dela essa mesma experiência de uma outra maneira, e não matar tudo o que se refere a essa experiência. Um dos problemas de elaborar uma separação é a tendência de ficar em um polo só. Ficamos apenas no polo do término, do fim, da morte, acabou, zerou. Mas nós temos o lado que morreu e o lado que permanece, um lado que nos pertence, que pertenceu à relação, afinal ela era feita de duas pessoas. Por isso a gente dá esse status ao resgate da memória, e não o contrário, esquecer, apagar, não pensar mais na pessoa de jeito nenhum. Na prática do lembrar e relembrar, se dá o trazer e mandar embora aquele que amamos. Mas agora permitindo a permanência dos rastros do relacionamento.
Celia Brandão, psicóloga e psicanalista de casais, adolescentes e adultos e mediadora de conflitos
É obrigatório também se responsabilizar pela separação
Não existe receita mágica, é preciso entender o que aconteceu comigo, qual a minha participação neste casamento e nesta separação. Se não, você vai ficar sempre na dor, na mágoa, e isso vai reverberando. Quando você começa a se responsabilizar pelo início e pelo término dói, dói muito, mas você é capaz de sair dessa situação. Deixando a responsabilidade só na mão do outro, você fica à mercê. Quando eu me responsabilizo, vou tentar entender em mim quais as situações em que eu tive participação para isso ir bem ou ir mal.
A tendência quando a dor é muito forte é colocar para fora. Você vai chorar, beber, bater a cabeça na parede, xingar… Mas precisa, de qualquer maneira, se responsabilizar, porque você tem uma participação nesta separação ou nesse casamento.
Responsabilizar-se dá trabalho, mas é na dor que a gente cresce, não tem jeito, é na tristeza, no sofrimento, que a gente percebe que existe algo incomodando e é nesse momento que você vai parar e pensar. O ideal seria a pessoa procurar uma terapia, para entender tudo o que aconteceu e conseguir superar, mas a reflexão pode ser uma conversa de botequim, no shopping, porque alguma coisa sempre fica.
Alice Tamashiro, terapeuta do NAPC (Núcleo de Atendimento e Pesquisa da Conjugalidade e da Família), do Instituto Sedes Sapientiae
Ter humildade para aceitar as falhas de ambos
A gente precisa desenvolver uma maturidade para entender as causas do rompimento. Uma separação nunca se impõe por exclusividade de um ou de outro, o que acontece é às vezes o pedido partir de um e ele é colocado como responsável pela situação.
O primeiro passo para começar a aceitar um pouco a separação é assumir que todos nós temos imperfeições, o parceiro tem falha, o próprio vínculo às vezes tem falha. Até porque o casamento é entre dois seres humanos, e não entre dois deuses, perfeitos, ideais, que portanto terão uma relação ideal pela vida toda. Isso também ajuda você a não desvalorizar tanto o que foi construído. Por pior que tenha sido a separação, vocês tiveram uma história e até um determinado ponto essa história pode ter sido interessante.
Quando a gente vive esse luto, há um momento que se abre um espaço para começar a pensar também no que você ganhou com isso, para que essa dor possa vir a ser algo transformador na vida da pessoa. Agora tem que ter humildade para aceitar e passar por esse tempo.
Márcia Barone Bartilotti, psicóloga terapeuta de casais e família e coordenadora do NAPC (Núcleo de Atendimento e Pesquisa da Conjugalidade e da Família), do Instituto Sedes Sapientiae