Quem pega táxi sabe. Ou conversa com o motorista ou conversa com o motorista. Fingir-se de morta no banco de trás não funciona, essa turma do taxímetro nunca vai brincar de vaca amarela com o passageiro. O negócio deles é papear. O meu também. E tenho tido sorte desde que quebrei o pulso e, com o braço imobilizado, para me proteger dos solavancos dos ônibus, sou obrigada a andar de táxi.
A história da chefe confeiteira Rosa Gonzalez, compartilhada abaixo, me fez lembrar de um desses causos, também compartilhados, porém no carro. Eu havia acabado de presenciar, em um supermercado caro de um shopping luxuoso, a cena de um homem de seus 50 anos humilhado pela mulher, na frente da filha pequena, da babá e da geladeira de frios, por tentar escolher um queijo diferente do que ela costumava comprar. Depois, na espera do caixa, ele sussurrava “mulher chata, mulher chata, mulher chata” várias vezes enquanto ela reclamava da lentidão da fila.
Entrei no táxi e a converseira começou, como sempre, na escolha do melhor trajeto, seguida da corrupção do governo, Haddad, Dilma, ciclovias e, quando eu me dou conta, ele está contando a história terrível do vizinho e amigo tratado pela mulher feito um cachorro desde que ela descobriu uma traição dele. E por que ele suporta? “Não se separa para não perder os bens, a casa, o carro”, contou indignado o motorista. Devia ser o caso da “mulher chata” e o homem do queijo, presos pelo medo.
Mal sabem eles que nada melhor do que um desafio a mais, especialmente na área profissional, para ajudar a encarar o outro com vigor. A paulistana Rosa Gonzalez, de 39 anos, que o diga. Ela mudou de profissão e estado civil de uma só vez. Leia aqui.
Um desafio ajuda a enfrentar o outro
Depoimento de Rosa Gonzalez à Giovanna Maradei
“O casamento não acaba quando a gente se separa, o casamento já acabou. Não vou falar que o meu foi horrível, fui casada por dez anos e ninguém fica todo esse tempo em um casamento horrível.
Eu era arquiteta e não aguentava mais trabalhar com obra. Então, comecei uma fase de investimento em mim. Fui fazer vários cursos, entre eles o de confeitaria e acabei descobrindo uma nova carreira.
O Ateliê tinha só seis meses quando eu me separei, a empresa era um bebê, então tive que trabalhar muito. Não podia pensar só na separação e acabei enfiando a cara no trabalho. Se eu estivesse casada, não sei se teria construído tudo isso.
Fui eu que decidi me divorciar e descobri que quem toma a decisão sofre primeiro. Quando você começa a formatar a ideia, você coloca na balança um milhão de coisas, casamento, família, financeiro – se tem filho, então, você pensa mil vezes. Eu tive uma briga muito grande e depois dela meu casamento entrou em uma crise enorme, mas ainda demorei quatro ou cinco meses para ter coragem de me divorciar.
É um passo muito grande. Você pega todos os sonhos que fez com aquela pessoa, as viagens que planejava, a casa que os dois queriam comprar, o carro, tudo, coloca em uma caixinha e fecha, porque você nunca mais vai realizá-los. Essa foi a minha sensação no dia em que eu assinei o divórcio. Mas, dali para a frente, os sonhos eram só meus, e então eu tinha que começar a planejar a vida.
Eu estava abrindo um negócio novo, iniciando a minha vida de novo. Tinha medo, tenho até hoje, óbvio, é o meu sustento, mas quando você enfrenta família, preconceitos, filho – porque nada é mais difícil do que contar sobre a separação para os filhos –, você descobre uma força que nem sabia ter.
Não me arrependi em nenhum momento. Tentei o suficiente até ter certeza de que era isso o que eu tinha que fazer. Tenho amigas que falam: ‘Eu não me separo porque eu não consigo me bancar financeiramente’ ou ‘eu não me separo por causa do meu filho’, e quando escuto esse tipo de coisa penso ‘isso é covardia’.
Se você não dá conta de se sustentar com seu dinheiro, reduza seu padrão de vida, mas vai ser feliz. Talvez eu esteja sendo uma pouco radical, mas acho que a gente está no mundo para ser feliz. Se você não está feliz, tem que fazer alguma coisa para mudar. Ou você faz o casamento funcionar, ou sai dele, não tem outra opção. Para mim, ficou muito claro que eu tinha que mudar. Do mesmo jeito que eu fiz em relação a trabalho.
Acho que o ser humano é feito de um monte de caixinhas. Você tem a caixinha do pai e da mãe, dos amigos, de uma série de coisas. No processo do divórcio, a gente mexe em várias dessas caixinhas – a família sai da caixa para vir para cima de você, os amigos também e de repente você tem que lidar com uma dinâmica absurda. Neste momento, dedicar-se ao meu trabalho foi o jeito que eu encontrei de fugir de todo o mundo, de sair de cena. Uma válvula de escape.
Quando você foca em outra coisa, em algo novo, tem tempo de se dedicar e ver seu trabalho crescer e se desenvolver. Quando a gente está lidando com perdas, como é a separação, ter alguns ganhos é muito interessante. A autoestima também aumenta. Você fala ‘eu sou capaz, eu sobrevivo sozinha, eu me viro’.
Não dá para abandonar a vida pessoal, principalmente se você tiver filhos. Mas enfiar a cara no trabalho resolve dois problemas: o financeiro e o foco. Tudo aquilo em que você põe energia cresce, e o trabalho me levou a dedicar minha energia para algo que me trouxe crescimento, e não ficar apenas alimentando o sofrimento.
O meu pai me chamou de louca, disse que, justamente quando eu estava me separando, eu rasguei o diploma de arquitetura para pilotar um fogão. ‘Olha tudo o que você está mexendo na sua vida ao mesmo tempo!’, ele me disse uma vez. Coisa de pai que estava preocupado. Hoje, ele me apoia muito e fica cheio de orgulho do que eu construí.”