Em casamento espetáculo, noiva esquece o principal: o noivo

Por Bell Kranz

O mercado de casamentos no Brasil oferece uma seleção absurda (imensa e complexa) de serviços e produtos. O estresse para dar conta da produção de um evento desses é tamanho por parte dos noivos que muitas vezes não sobram energia nem apetite para o grand finale na noite de lua-de-mel.

Segundo pesquisa do instituto inglês The Research Co, feita em 2013, mais da metade dos casais unidos nos três anos anteriores não fez sexo na noite de núpcias. Entre os entrevistados, 16% culparam (veja bem!) o cansaço da noiva; 24%, o porre do noivo. Para 17% do total dos entrevistados, o bem-bom só aconteceu três dias depois da cerimônia!

Se a maratona para a festa não enlouquece, tem tudo para empobrecer os futuros casais ou sogros patrocinadores. Os gastos com festas e cerimônias crescem uma média de 10,4% ao ano. Em 2013, o setor movimentou R$ 16 bilhões.

O noivo, que neste tipo de evento não é louco de fugir, muitas vezes fica para escanteio, valendo tanto quanto o arranjo de flores. Quem bota a boca no trombone é a jornalista e colunista da rádio BandNews FM Inês de Castro, especialmente para o “Casar, descasar, recasar”.

"Pela intimidade a dois e contra os casamentos de exibição" (Foto: Daniela Braga_Folhapress_2)
“Pela intimidade a dois e contra os casamentos de exibição” (Foto: Daniela Braga/Folhapress)

Casamento espetáculo

Por Inês de Castro

O pedido foi feito.

Ou não teve pedido, o casal simplesmente chegou à decisão de se casar depois de algum ou muito tempo de namoro.

E agora vai ter casamento!

Motivo de festa pra todo mundo, certo?

A princípio, sim. A rigor, não.

O que tem precedido o momento do sim está mais para tsunami financeiro, com um bate-perna interminável em busca do casamento dos sonhos, do que um preparo consciente e responsável para tudo que vem por aí. E o que vem por aí é maior do que o dia da festa, mais importante do que a lista de presentes, bem mais duradouro do que a sessão de fotos.

O que vem por aí é vida real. É convivência, rotina, obrigações, romance, sexo sem pressa, almoços de família – com ou sem discussões –, talvez filhos, enfim, o casamento propriamente.

Mas algum tipo de confusão mental tem se instalado na cabeça das noivas quando decidem que, enfim, vão se casar. Inevitavelmente o processo começa com uma lista.

Num aplicativo moderno do celular, no tablet ou num caderninho enfeitado (as românticas adoram esse registro), as noivas vão anotando tudo: docinhos, convites, flores, arranjo de cabeça, sapatos, bolo, a passadeira da igreja, o carro para levar à igreja, a música, o buquê, as bebidas, as lembrancinhas dos convidados, mais flores e, enfim, o vestido!

De posse das anotações iniciais, elas se embrenham no mercado maravilhoso, branco, açucarado e florido quando percebem, enfim, que o buraco é bem mais embaixo: “Você prefere os docinhos glaceados, vitrificados, caramelizados, acetinados, decorados…?”, questiona a banqueteira. “A maquiagem vai ser casual, sedutora, poderosa, romântica, clean… Que noiva você quer ser?”, indaga o stylist.

Em pouco tempo – para umas é questão de dias, para outras, de semanas –, aquele entusiasmo vira estresse e é quando entra em cena uma das profissionais mais requisitadas – e caras – no mercado de casamentos: a cerimonialista (ou assessora de casamento ou wedding planner). Em bom português, é a pessoa que vai organizar tudo. Ela vai contar à noiva por que um convite feito com papel couchê 300 g, fosco, embrulhado em envelope ainda mais encorpado, amarrado com fita de cetim e arrematado com pérolas é chique no último. Aliás, se a noiva pensou que pudesse casar sem um convite desses, a cerimonialista vai tratar de demovê-la da ideia rapidinho.

Daí pra frente, pode esperar que necessidades nunca antes imaginadas surgirão diante dos olhos da noiva como se fossem uma vital bomba de oxigênio para o coração de um paciente cardíaco.

Vamos fazer um corte nesse confuso universo onde mães, irmãs, madrinhas de um lado e de outro saracoteiam – e às vezes se engalfinham – freneticamente dando seus palpites.

Não está faltando alguém nesse cenário? Claro que está. Falta o noivo.

Conheço noivas que decidiram até a cor da gravata do sujeito. “Imagina, ele queria cinza. Cinzaaaaa? Nem pensar. Tem que ser rosa antigo perolado para combinar com os arranjos do altar.”

Isso, mesmo. O noivo ganhou status similar ao dos jarros de flores. No desenho dos casamentos atuais, o noivo tem praticamente a mesma importância dos laços de fitas que serão entremeados nos bancos da igreja. Ou seja, é quase figurativo.

Há, sem dúvida, os que se contentam em ficar no pano de fundo desse teatro ensandecido ­– e ainda agradecem por nunca serem recrutados. Mas um incômodo pulsa, eles não negam.

Entre os noivos inconformados com o circo dos casamentos, há os que se enfastiam e começam a mostrar – antes mesmo da vida a dois se consolidar – o lado B que nenhuma noiva gosta de ver. Não é incomum ouvi-las reclamar dos futuros maridos: não sei o que ele tem, está um chato… Só quer sair com os amigos, não me ouve mais.

Não ouvem, mesmo. Porque conversas monotemáticas são chatas para noivos e para todos os seres humanos na face da Terra.

No panorama ensandecido das festas de casamento, noivas estão se casando sozinhas. Numa crença distorcida de que casamento se resume naquela data mágica, o dia do enlace, que a bem da verdade não passa de um rito. Importante, sem dúvida, mas mínimo e efêmero ante a importância de uma vida que apenas se insinua: a vida a dois.

Em nome de matrimônios mais bem-sucedidos, poderíamos lançar o movimento em prol da intimidade a dois e contra os casamentos de exibição. Onde haveria espaço e tempo para os planos, sonhos e projetos a dois e apenas alguns intervalos para decidir se o recheio dos bem-casados devem ser de doce de leite ou de chocolate trufado.

Inês de Castro, jornalista e colunista da rádio BandNews FM, casada uma vez (sem véu nem grinalda), é divorciada