Muda a década, muda o século, muda até a era, e alguns assuntos não só continuam em pauta na mídia como ainda fazem sucesso. São temas clássicos sobre os quais muito se fala, mas novidade que é bom costuma haver bem pouca. A tripla jornada da mulher é um deles.
Em 1989, saí da redação de uma revista feminina encarregada de entrevistar um importante psicanalista sobre a divisão de trabalho entre marido e mulher (pena, não posso dizer quem era, porque estou em dúvida entre os dois nomes mais famosos da época). Mas a tese do especialista joga luz sobre um aspecto diferente: a dificuldade da mulher em dividir com o homem funções que sempre foram dela porque isso diminui o seu poder. Enquanto é ela quem sempre e tão bem se comunica com o pediatra, detém as informações e o histórico de saúde da criança, o poder nesse campo está nas suas mãos. Daí então algumas reclamam “sempre eu tenho que levar o Bruninho ao médico”, mas não passam o bastão para o pai nem a pau, sob a alegação de que “ele não vai dar conta do recado”. Será?
Com o aumento de pais divorciados e conscientes da importância de acompanharem a vida escolar dos filhos, a tese do psicanalista merece ser lembrada. A escola dos pequenos é um ambiente predominantemente feminino, as mães reinam soberanas nesse espaço. Agora, em época de guarda compartilhada, tem pai pedindo passagem. Em nome dos filhos, vale a pena colaborar com os que andam lutando pela saudável causa da paternidade. Adicioná-los para o grupo do WhatsApp, em geral restrito às mães, por exemplo, já é um começo. Quanto às escolas, o tradicional “querida mamãe” na agenda do filho tem sido trocado pelo oportuno “caros pais”. Leia mais na reportagem abaixo.
“Nas reuniões de pais, eu me sinto um ser mitológico”
Por Giovanna Maradei
“Um pai que queira ser participativo tem que fazer como as mulheres fizeram na sua revolução sexual: ir à luta. Não precisa queimar cueca, como as mulheres simbolizaram no passado com o sutiã, mas tem que mostrar sua vocação paterna”, afirma o professor e pai solteiro Lizandro Chagas sobre a importância da participação do pai na vida escolar do filho. “Tem que buscar apoio, conhecimento, opiniões, mas sempre mostrar a que veio”, diz o ativista da causa paterna, como ele se autointitula.
Do ponto de vista legal, o pai tem garantido pelo Código Civil o acesso às informações escolares, essencial para que ele exerça o seu dever paterno e garanta a educação do filho. Esse direito ganhou dois reforços, em 2009 e 2014 (leia mais abaixo, em “Como manda a lei”). Na prática, porém, o que ainda se vê é a mulher com o monopólio do universo escolar dos filhos e o pai, quase sempre, como um ser à parte.
Dois exemplos que ilustram o domínio feminino: o clássico bilhete na agenda da criança endereçado à “querida mamãe” e a ação dos grupos de mães que decidem sobre temas extracurriculares, mas ainda assim importantes à vida escolar, como quem dá carona para quem ou o que colocar na mala do acampamento.
Esse velho padrão, em tempos de guarda compartilhada, começa a incomodar e forçar mudanças.
O jornalista e pai divorciado Rodrigo Padron despejou no Facebook a sua revolta e a lista de reclamações contra a escola da filha. Ele nunca havia recebido uma comunicação sequer sobre qualquer tema da vida escolar da criança e ainda considerava uma afronta o tratamento dado pelas professoras aos pais. Em um determinado Dia dos Pais, por exemplo, a escola organizou atividades especiais em que os marmanjos foram tratados de forma muito infantil. Em uma delas, a “tia” anunciou: “Os papais vão fazer uma coisa que nunca fizeram antes”. E essa coisa era algo como dar papinha para o filho ou brincar no chão com a criança.
O post rendeu uma ação imediata da diretora da escola, que chamou Padron para uma conversa, informando nunca ter recebido uma reclamação como aquela. “Eu falei para ela que, no futuro, minha filha iria ler os registros da escolinha e me cobrar ‘papai, onde você estava?’”, diz Padron. A educadora deu razão ao pai, cuja guarda não era dele, mas da mãe, e em dez dias tudo mudou. Ele passou a receber os comunicados da escola por e-mail e os bilhetinhos antes dirigidos à “querida mamãe” passaram a ser “aos pais”.
Tanto Padron como Chagas, porém, sabem que a questão é mais profunda. A lei existe, é cumprida, mas os padrões culturais e estereótipos sociais emperram as mudanças. Padron conta que, mesmo depois da mudança de atitude da escola, ele se sente um pouco deslocado no ambiente. “Quando busco minha filha, eu fico à margem, com um ou outro pai que eventualmente está por ali”. Chagas reclama: “Nas reuniões de pais, eu me sinto um ser mitológico, um saci, um unicórnio, um dragão… Um alien”, completando que o mesmo sentimento aparece nas “atividades extras do meu filho, como natação e futebol, e consultas pediátricas “.
“A gente tem que se propor a quebrar esse paradigma”, afirma Padron. “Os pais às vezes aceitam essa condição de ‘quem vai cuidar é a mãe, eu estou aqui só para dar um suporte’.” Nesse sentido, as mães poderiam colaborar com os pais interessados, facilitando a sua entrada em um ambiente predominantemente feminino.
Além de serem maioria no universo da escola, as mães se organizam em paralelo quase sempre sem convidar os pais. É o caso dos grupos de WhatsApp, que parecem ter virado regra entre as mãezonas de crianças pequenas. “Nesses grupos, elas organizam festas, piqueniques, falam mal da escola, dos maridos…”, conta rindo Amábile Pacios, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep).
Uma mãe divorciada, a comerciante Renata Souza, contesta o comando materno, por considerá-lo um peso para a mulher: “Por que só eu, que sou mãe, tenho que me preocupar com o presente do Dia dos Professores? Por que o pai não pode ter o trabalho de participar da organização da festa junina da escola?”.
Chagas, professor de ensino médio há 15 anos, conta que no papel de pai de criança pequena vê aumentar a presença paterna na escola, ainda que de forma tímida. Já a professora Amábile não identifica mudança: “Existem pais que são exceção, mas eles deveriam ser a regra”. Ela revela que, para proteger as crianças da baixa presença dos pais na escola, algumas instituições substituem o Dia dos Pais pelo dia da família. Assim, o filho que não contar com o pai por perto não deverá se sentir constrangida.
COMO MANDA A LEI
O acesso de ambos os pais aos registros escolares já é garantido pelo Código Civil, que determina que o pai tem o direito e o dever de zelar pela educação do filho, independentemente do seu status civil e da detenção da guarda, diz Melissa Telles Barufi, presidente da Comissão Nacional de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Além dessa garantia prevista no Código, em 2009 foi feita uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, explicitando que as instituições estão obrigadas a fornecer informações escolares aos pais, sejam eles conviventes ou não. Em 2014, a nova lei da guarda compartilhada reforçou este direito ao estabelecer uma multa, que varia entre R$ 200 e R$ 500 por dia para o estabelecimento privado que se negar a fornecer informações ao pai ou a mãe.
A advogada de família Shirlei Klouri conta que, nos casos de divórcio, é recorrente a reclamação de pais querendo participar mais do ambiente escolar. “Mas hoje raramente a dificuldade é fruto de barreiras colocadas pelo colégio.” Na maioria das vezes, diz ela, o que acontece é o pai tentar justificar sua ausência culpando a escola ou a mãe dificultar o acesso à informação pelo pai para afastá-lo do filho. O que pode ser caracterizado alienação parental.
Todas as informações da escola sobre a criança devem ser enviadas tanto para o pai quanto para mãe, recomenda a presidente da Fenep. Especialmente sobre autorizações para saídas e viagens, a escola pode sugerir aos pais que elejam um responsável para facilitar o trâmite burocrático. Sobre os boletos de cobrança, é comum serem enviados só ao responsável financeiro. Mas os comunicados a respeito de desempenho escolar e atividades devem obrigatoriamente ser enviados a ambos os responsáveis, seja em caso de guarda compartilhada ou unilateral.