Acorrentar o ex é perder a própria liberdade

Por Bell Kranz
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Ronit Elkabetz, atriz e codiretora do filme no papel de Viviane Amsalem (Foto: divulgação)

“O Julgamento de Viviane Amsalem”, recém-estreado em São Paulo, é um baita filme, de tirar o fôlego. Uma experiência sinistra para quem mal leu a sinopse antes de ir ao cinema ou desconhece a cultura do divórcio em Israel. Embasbacado na poltrona, o expectador se pergunta se não seria um filme de época. “E que época? Ou uma ficção surrealista, de tão bizarra a situação desse julgamento”. Antes fosse!

Trata-se de um filme-denúncia, com uma pegada caricatural, do que acontece hoje em Israel. No país, não existe casamento nem divórcio civil, só religioso. “Ou eles recorrem à ortodoxia ou não tem saída”, diz o rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, ala religiosa mais liberal.

Saída até existe: o aeroporto. Muitos seguem rumo à paradísiaca e vizinha ilha de Chipre, já que o Estado de Israel reconhece cerimônias celebradas em países com quem tem relações diplomáticas.

Há outro detalhe bizarro: como manda a milenar lei religiosa judaica, só o marido pode por fim ao casamento. Se ela quer e ele não, um tribunal rabínico tentará persuadi-lo a liberar a mulher para que siga uma nova vida – o que pode dar certo ou não.

O filme mostra o calvário de Viviane Amsalem, em interpretação incrível de Ronit Elkabetz, para conseguir que o marido, Elisha Amsalem (Simon Abkarian), lhe conceda o divórcio. Ela passa três anos indo e vindo de audiências torturantes, comandadas por um trio de rabinos ultraortodoxos. É humilhada em sessões surreais, onde impera a mentalidade machista de uma estrutura patriarcal medieval.

O marido, Elisha, declara sempre que terminantemente não, ele não dá o divórcio à mulher, com quem tem 4 filhos, foi casado por 30 anos e há 3 já não vive junto.

As mulheres separadas que não conseguem do marido o guet, documento de divórcio, são chamadas de agunot (acorrentadas). Ficam presas ao matrimônio, impedidas de casar ou ter outra relação, o que configuraria adultério. Essas mulheres, portanto, perdem o direito de decidir a própria vida.

Estado de Israel e judaísmo à parte, quantos homens e mulheres de qualquer país e religião não insistem no apego a uma vida conjugal que já acabou? Assim eles também perdem a possibilidade de tomar as rédeas de uma nova vida.

Refiro-me aos que se divorciam contra a vontade, porque o parceiro quis, mas na prática não se separam. Acorrentam os respectivos ex, arrumando encrenca, brigando, atormentando, às vezes passando a vida em guerra com quem já não mais lhe diz respeito enquanto companheiro de vida.

É o pior caminho, o chamado tiro no pé. Quando você prende o outro, você também fica preso a ele. Intervir na liberdade alheia significa perder a própria liberdade.