Depois de assistir ao excelente “Amy”, documentário sobre a carreira e a vida trágica da diva do soul britânica Amy Winehouse, em cartaz em São Paulo, fiquei com a séria convicção de que ela sofria do tal amor patológico.
Camille Claudel, com sua fixação por Rodin, tinha os traços da doença, diz a psiquiatra Monica Zilberman, do Instituto de Psiquiatria (IPQ) do Hospital das Clínicas de São Paulo. O personagem de Jim Carrey em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, idem.
Winehouse era louca pelo marido, cujo relacionamento foi intenso, megaconturbado e autodestrutivo. A felicidade dela dependia da dele (“Se o meu marido está feliz, eu também estou”). Queria que as coisas fossem sentidas por ambos da mesma maneira, em uma relação simbiótica e obsessiva, duas características da doença que integra a lista dos transtornos tratados no Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas de SP.
Pessoas que sofrem de amor patológico (ou excessivo) ficam tão obcecadas pelo outro que chegam a fazer comentários do tipo “eu sei como um dependente de crack se sente”. A droga, no caso, é o parceiro (ou parceira, tanto faz, assim como a idade e a relação, que pode ser conjugal, de namoro ou entre amantes). No caso de Winehouse, ela tinha drogas a rodo: as ilícitas e um sujeito tóxico como marido.
“Eu perco a minha irmã quando ela está apaixonada”, diz o irmão de uma paciente. Isso porque tudo perde importância para a pessoa – família, trabalho, filhos, inclusive ela própria, que se anula, abandona seus interesses e necessidades. Passa a viver em função do companheiro, sendo excessiva no controle e nos cuidados (marca médico para uma dor de barriga dele, mas não vai ao cardiologista cuidar da sua hipertensão; ele é aventureiro, então ela passa a ser também…).
A incidência da doença nos homens é menor, 30% contra 70% de mulheres, mas quando eles são afetados é cruel, porque passam a questionar a própria virilidade. Carência e ligação do tipo passional são comportamentos associados ao feminino. Daí a conhecida e machista expressão “coisa de menina”, o que desviriliza o sujeito e causa sofrimento.
A fixação incontrolável pelo amado é um padrão que pode se repetir nas relações afora, ao longo da vida, ou aparecer diante de uma ameaça de rompimento. Nessa hora, surgem os sintomas, típicos de abstinência de drogas – taquicardia, dores musculares, insônia, alteração no apetite e/ou tremores. É um horror. A relação se deteriora, mas a pessoa mesmo insatisfeita não larga o osso. O pensamento é mais ou menos como “ruim com ele, pior sem ele”.
Claro que isso leva à separação. “É uma profecia que se cumpre”, como diz a psiquiatra. Um dia, sufocado, o outro vai embora, mesmo, e de preferência sem deixar rastros para não ser encontrado.
A causa da patologia tem relação com uma experiência de abandono durante a infância ou apenas o seu entendimento por parte da criança, e isso não faltou para Amy.
Seu sofrimento foi conduzido por um mix explosivo de ingredientes (cocaína, crack, álcool, bulimia, o cruel mundo da fama e a indústria sanguessuga do show business) que encontrou terreno fértil na vida de uma jovem cuja educação para o afeto na infância foi deficiente. O documentário (veja o trailer abaixo) mostra como a ausência do pai, que depois se tornou um explorador, foi dolorosa e tanto custou à artista. Para quem não viu no cinema, Amy está disponível no Netflix a partir de 1º de fevereiro.
Tratamento existe. Psicoterapia e medicamentos para eventuais problemas associados, como depressão. “Tem sido usado também a mesma medicação para dependentes de álcool e outras drogas”, diz a psiquiatra.
Maturidade também pode funcionar como remédio. O ídolo de Winehouse, o cantor Tony Bennett, 89 anos, com quem ela gravou sua última canção antes de morrer, sabiamente declarou ao saber da morte precoce da cantora: “Life teach you to live, if you live long enough” (A vida ensina como vivê-la, se você viver o suficiente).
Atendimento gratuito em SP para pessoas que sofrem de amor patológico
PRO-AMITI – Ambulatório dos Transtornos do Impulso (HC)
Endereço: Rua dr. Ovídio Pires de Campos, 785. São Paulo (SP)
Telefone: (11) 2661-7805
E-mail: contato@amiti.com.br ou proamiti.secretaria@gmail.com
Site: proamiti.com.br
Atendimento:
Por telefone – de segunda a quarta e sexta, das 9h às 17h.
Consultas, grupos de terapia e atendimento presencial – quinta, das 8h às 16h30.
Proad – Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Unifesp)
Endereço: Rua Prof. Ascendino Reis, 763, Vila Clementino, São Paulo (SP)
Telefone: (11) 5579-1543
Site: psiquiatria.unifesp.br/proad
Atendimento: de segunda a sexta, das 8h às 17h.