Por Giovanna Maradei
Rolos, namoros e casamentos quase sempre acabam porque um dos parceiros se apaixona por outra pessoa. Também não são raros aqueles que dizem, ao menos no começo, que se pudessem ficariam com ambos. O que impede? O entendimento de que a prática é antiética, “coisa de puta” ou de “homem canalha”. Mas manter uma relação afetiva com duas ou mais pessoas é também coisa de poliamorista, grupo que, segundo membros do movimento, vem crescendo no Brasil, contando com adeptos dos 20 aos 60 anos de idade.
“Há cinco anos, quando começamos a organizar os encontros, reuníamos cinco pessoas, agora tivemos um evento com quase 200”, afirma o sociólogo Rafael Guimarães Machado, coordenador do grupo “Pratique Poliamor RJ”. No Facebook, o maior grupo de poliamor, “Poliamor”, reúne cerca de 9 mil participantes.
Para eles, um amor não diminui e não necessariamente anula outros. “Você não tem um ‘saco de gostar’ para distribuir uma quantidade certa para cada pessoa, se você gosta muito de um, não tem que gostar menos de outro”, afirma Machado. Além disso, se os envolvidos estão cientes e de acordo com esse formato, a traição deixa de existir.
Parece a receita perfeita para um desastre, mas tem sido a opção de muita gente que, por sinal, anda satisfeita com o resultado. Você não entende como é possível? Casar, descasar, recasar também não. Por isso, resolveu esclarecer com funciona o poliamor e montou um FAQ (perguntas mais frequentes) com uma dúzia de questões básicas. Para respondê-las, foram ouvidos os poliamoristas Rafael Machado e Cláudia Naomi Abe e exploradas páginas nas redes sociais e o site “More Than Two”, criado por Franklin Veaux, que, junto com sua companheira Eve Rickert, escreveu o livro “More Than Two – A practical guide to ethical polyamory” (Mais de dois – Um guia prático do poliamor ético). O resultado você confere aqui.
1. O que é o poliamor?
Poliamor é um termo criado em 1991 para nomear um tipo de relação amorosa no qual as pessoas envolvidas estão abertas a ter mais de um parceiro afetivo ao mesmo tempo. As regras são mutantes, variam conforme o combinado feito pelos envolvidos, mas existe uma lei imutável para todos: homens e mulheres têm direitos iguais e devem estar 100% cientes de que fazem parte de um relacionamento poliamoroso. Caso contrário, é apenas a velha e péssima traição.
2. Mas esse esquema não é o mesmo do chamado relacionamento aberto?
Não. Aliás, um relacionamento poliamoroso pode ser fechado. Não é muito comum no Brasil, mas se você se relaciona com outras duas pessoas e vocês não querem mais gente envolvida na história, este relacionamento é poliamoroso, mas não é aberto.
Além disso, os casais que têm um relacionamento aberto, geralmente, só concordam que o parceiro se relacione com outra pessoa quando é “apenas por sexo”. O envolvimento emocional está proibido. No poliamor, essa barreira não existe. Uma pessoa pode até estabelecer relacionamentos exclusivamente sexuais com outras se quiser.
3. Mas então é um namoro a três?
Existem vários formatos de poliamor. Casal, trio ou grupo totalmente aberto ou com restrições (envolvimento com pessoas de fora do grupo desde que sejam de outro círculo social ou devidamente aprovadas pelo grupo). Trio ou grupo fechado, no qual as pessoas só podem se relacionar entre si. E até o chamado mono/poli, no qual um dos parceiros é poliamorista, mas o outro, por escolha, permanece monogâmico.
4. É o modelo perfeito para quem tem medo de se comprometer!
Não exatamente. Existem pessoas que descobrem o poliamor porque tiveram uma grande decepção amorosa e não querem mais o comprometimento enquanto fidelidade monogâmica. No poliamor, uma pessoa não se compromete a ter um relacionamento exclusivo com outra, mas deve cumprir uma série de acordos e com mais de um parceiro! Conclusão: para dar certo, não dá para ter fobia de compromisso.
5. Quer dizer que o esquema não é liberou geral?
Você é livre para ter mais de um parceiro, mas, como em todo relacionamento, existem regras e necessidade de defini-las abertamente. Não existe nada preestabelecido, os envolvidos combinam tudo a cada relação: como proceder quando quiser sair com outra pessoa; se um ou mais do grupo tem prioridade… Ficar com outra pessoa não é considerado traição, mas contrariar o acordo muitas vezes é.
6. Mas sempre tem um parceiro que é mais importante, não?
Em alguns casos existe, de fato, um ou dois parceiros que ganham prioridade. São pessoas com quem você está há mais tempo, faz mais planos para o futuro… Mas de forma alguma isso é uma regra, e com o tempo as preferências podem mudar.
7. Para entrar no poliamor é preciso ser bissexual?
Não. Dentro do grupo você vai encontrar modelos variados de orientação sexual. Segundo estudo de acadêmicos e representantes do movimento no Brasil, a maioria dos homens poliamoristas se identifica como heterossexual; depois, vêm os bissexuais e, por fim, homossexuais. Já entre as mulheres, a maioria se diz bissexual; em segundo lugar, estão as heterossexuais e, em terceiro, as homossexuais. Ou seja, cada um se relaciona da forma que acha melhor.
8. E como é que fica o ciúme?
Ele existe, mas o esforço para superá-lo é grande. Uma boa DR (discutir a relação) é sempre incentivada para que os parceiros acertem os ponteiros. Além disso, a prática ajuda. Com o tempo, ao perceber que seus amados vão se encontrar com outros, mas sempre voltam e que, mesmo saindo com outras pessoas, você continua tendo vontade de ficar com todas, o ciúme vai perdendo o sentido e, consequentemente, diminuindo. Recomendação número 2: conversar com outros poliamoristas sobre o assunto. Os experimentados ajudam os novatos a perceberem que, ao contrário do que os amigos monogâmicos costumam dizer, não sentir ciúmes em determinados casos pode ser absolutamente normal.
9. E na hora de construir uma família, ter filhos, abre-se mão do poliamor, certo?
Errado. Existem vários casos de pais poliamoristas. A responsabilidade de cada adulto em relação à criança varia conforme o formato da relação – se todos moram juntos, se os parceiros da mãe e/ou do pai frequentam a casa ou não, se os pais são divorciados e só um deles é poliamorista…. O que parece não mudar é a facilidade dos pequenos em compreender a situação e o papel de cada uma daquelas pessoas na sua vida.
10. Mas eles podem se casar? Dá para oficializar uma relação poliamorista?
O comum é que as pessoas não oficializem, mas não é uma regra. No Brasil, existem dois trios que tiveram sua união oficializada. O primeiro, composto de um homem e duas mulheres, obteve o registro em 2012 na cidade de Tupã (SP). O segundo celebrou a união em outubro deste ano no Rio de Janeiro e é composto por três mulheres. Nestes casos, geralmente, todos os direitos concedidos aos casais que estabelecem uma união estável devem ser concedidos aos três envolvidos.
11. No caso de separação o sofrimento é menor, não?
Sim e não. Se você está em um relacionamento poliamoroso com outras duas pessoas e uma decide terminar, você sofre como em qualquer outra separação, mas de fato tem a sorte de ter outra pessoa amada. Por outro lado, quando mais de uma pessoa termina o relacionamento com você, o sofrimento é dobrado ou até triplicado. Ninguém sofre pelo conjunto, mas por cada uma das separações, pela falta que cada um vai fazer em sua vida.
12. Achei interessante. Onde eu encontro essas pessoas?
A internet é a melhor forma de fazer um primeiro contato. Existem diversos grupos espalhados pela redes sociais que se comunicam on-line e também promovem encontros, debates, rodas de conversa.
Mas é preciso estar atento para garantir que você está em um grupo em que as pessoas são realmente poliamoristas, e não estão apenas querendo trair seus parceiros ou promover um encontro sexual com vários. Entre os mais sérios e conhecidos estão o nacional, Poliamor Brasil, e também o regional, Pratique Poliamor RJ.